Resumo: O presente artigo aborda a caracterização do grupo econômico no Direito do Trabalho brasileiro, tema de fundamental importância para a delimitação da responsabilidade solidária das empresas por débitos trabalhistas. Analisa-se a evolução legislativa e jurisprudencial do conceito, os elementos essenciais para sua configuração, a distinção entre grupo por subordinação e por coordenação, e as principais consequências jurídicas de seu reconhecimento.
1. Introdução
A dinâmica empresarial contemporânea, marcada pela diversificação de atividades e pela constituição de complexas estruturas societárias, impõe ao operador do direito o desafio de identificar a real titularidade da exploração da atividade econômica. No Direito do Trabalho, essa identificação é crucial para assegurar a efetividade dos direitos dos trabalhadores, que muitas vezes se veem diante de manobras que visam diluir a responsabilidade patronal entre diversas pessoas jurídicas. O instituto do grupo econômico surge, nesse contexto, como um mecanismo legal que permite desconsiderar a autonomia formal das empresas, reconhecendo uma unidade econômica para fins de responsabilização trabalhista.
Este artigo se propõe a analisar os contornos da caracterização do grupo econômico no Brasil, desde a previsão legal até os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que moldam sua aplicação prática, especialmente após as alterações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).
2. Fundamentação Legal e Evolução Histórica do Conceito
O grupo econômico no Direito do Trabalho tem sua base no artigo 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Antes da Reforma Trabalhista, a redação do dispositivo estabelecia que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
Essa redação, por muito tempo, deu margem à interpretação de que seria indispensável a existência de uma relação de subordinação hierárquica entre as empresas, com uma empresa “líder” ou “controladora” exercendo efetiva direção sobre as demais. A doutrina e a jurisprudência, contudo, já vinham ampliando esse entendimento, admitindo a caracterização do grupo econômico também pela coordenação interempresarial, ou seja, a atuação conjunta e harmônica de diversas empresas que, embora formalmente autônomas, compartilham interesses, objetivos e, muitas vezes, quadros societários ou de direção.
A Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), buscando pacificar a controvérsia e adequar a norma à realidade empresarial, alterou a redação do art. 2º, §2º, da CLT, que passou a dispor:
“Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
O parágrafo 3º do mesmo artigo foi adicionado, esclarecendo que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas componentes do grupo.”
Essa alteração legislativa consolidou a tese do grupo econômico por coordenação, deixando claro que a solidariedade não depende mais, exclusivamente, de uma relação de subordinação hierárquica. O foco passou a ser a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta, confirmando a tendência jurisprudencial que já se consolidava.
3. Tipos de Grupo Econômico
A doutrina classifica o grupo econômico em duas principais modalidades:
a) Grupo Econômico por Subordinação (Vertical): Ocorre quando uma empresa exerce direção, controle ou administração sobre outra(s). Há uma hierarquia evidente, com a empresa controladora ditando os rumos das demais. Exemplo clássico são as holding que controlam diversas subsidiárias.
b) Grupo Econômico por Coordenação (Horizontal ou de Fato): É a modalidade que ganhou maior relevância com a evolução interpretativa e a Reforma Trabalhista. Caracteriza-se pela atuação conjunta e integrada de empresas que, embora preservem sua autonomia formal e não estejam sob o controle de uma única empresa líder, compartilham interesses comuns, objetivos econômicos complementares e, frequentemente, um mesmo grupo de administradores ou sócios. A essência reside
na integração e coordenação entre as atividades empresariais, gerando uma unidade econômica de fato.
4. Elementos para a Caracterização do Grupo Econômico por Coordenação
Apesar da nova redação do art. 2º, §3º, da CLT, que exige “a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas componentes do grupo” e afasta a mera identidade de sócios, a análise para a caracterização do grupo econômico continua sendo eminentemente fática. A doutrina e a jurisprudência consolidaram diversos indícios que, analisados em conjunto e no contexto concreto, permitem o reconhecimento da unidade econômica.
Maurício Godinho Delgado, renomado jurista e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em sua obra Curso de Direito do Trabalho (LTr, 20ª ed., p. 458-460), destaca a necessidade de prova da integração interempresarial, que pode ser aferida por diversos elementos:
Identidade de Sócios ou Administradores: Embora o §3º do art. 2º da CLT afirme que a mera identidade de sócios não caracteriza o grupo, a presença de sócios e/ou administradores comuns em empresas distintas é um forte indício de unidade de direção e interesses. Deve-se, contudo, demonstrar que esses sócios/administradores atuam de forma coordenada, com objetivos empresariais que transcendem a mera participação formal.
Comunhão de Interesses e Atuação Conjunta: Este é o elemento central exigido pela nova lei. Manifesta-se pela exploração de atividades econômicas complementares, pelo compartilhamento de recursos (humanos, materiais, tecnológicos), pela utilização da mesma estrutura física ou logística, ou pela exploração de uma mesma marca ou nome fantasia (como no caso da “7.200 Móveis e Decorações” em diferentes empresas).
Patrimônio Comum ou Fluxo de Bens/Serviços: A existência de transferências patrimoniais sem justificativa contábil clara, a confusão patrimonial, a interligação de contas bancárias ou a circulação de bens e serviços entre as empresas de forma atípica, pode indicar a unidade econômica.
Utilização da Mesma Mão de Obra: A Súmula nº 129 do TST (“A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”) reforça a ideia de grupo ao considerar as empresas como uma única empregadora para fins contratuais. A alternância ou o compartilhamento de empregados entre as empresas, sem formalização de múltiplos contratos, é um forte indício de grupo.
Endereço Comercial Comum: A utilização do mesmo endereço para empresas com CNPJs distintos, especialmente quando as atividades são correlatas ou integradas, é um forte indício de grupo econômico.
Subordinação Jurídica e Econômica Indireta: Mesmo na ausência de subordinação hierárquica formal, a dependência econômica de uma empresa em relação a outra (por exemplo, uma fornecedora exclusiva de insumos) pode configurar o grupo.
Objetivo Social Idêntico ou Complementar: Empresas que atuam no mesmo ramo de atividade ou em ramos que se complementam, maximizando lucros e otimizando recursos, frequentemente indicam um grupo econômico.
É crucial ressaltar que a presença isolada de um ou outro desses indícios pode não ser suficiente para configurar o grupo. A análise deve ser contextual e holística, buscando a prova da efetiva atuação conjunta e da comunhão de interesses que transcende a mera formalidade jurídica. O objetivo é evitar que a fragmentação societária seja utilizada como subterfúgio para fraudar ou dificultar a satisfação de direitos trabalhistas.
5. Consequências do Reconhecimento do Grupo Econômico
principal e mais relevante consequência do reconhecimento do grupo econômico no Direito do Trabalho é a responsabilidade solidária de todas as empresas integrantes pelas obrigações trabalhistas. Isso significa que o trabalhador poderá executar seu crédito contra qualquer uma das empresas do grupo, independentemente de qual delas o tenha contratado formalmente, ou mesmo da ordem de participação ou de qual empresa se beneficiou diretamente do trabalho.
Essa solidariedade visa proteger o trabalhador, assegurando que seu crédito não seja frustrado por reorganizações societárias ou pela insolvência de uma das empresas do grupo. A responsabilidade solidária, ao contrário da subsidiária, permite ao exequente direcionar a execução diretamente contra qualquer um dos devedores solidários, sem necessidade de esgotar primeiro os bens da devedora principal.
Outras consequências incluem a unicidade do contrato de trabalho (Súmula 129 TST) e, em casos extremos de fraude ou abuso de direito, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos sócios que se beneficiaram da atuação em grupo.
6. Considerações Finais
A caracterização do grupo econômico é um tema complexo, que exige do julgador e do operador do direito uma análise acurada dos fatos e das provas, à luz da legislação
e da rica construção doutrinária e jurisprudencial. A Reforma Trabalhista, ao enfatizar a necessidade de prova da comunhão de interesses e da atuação conjunta, fortaleceu a importância da investigação material das relações empresariais, afastando a mera presunção.
O instituto do grupo econômico permanece como um instrumento vital para garantir a efetividade dos direitos trabalhistas e coibir a pulverização de responsabilidades por meio de artifícios societários. Sua correta caracterização é um pilar para a proteção do crédito alimentar e para a garantia da função social da empresa no cenário econômico brasileiro.
Paulo Koch Jr
Advogado